Amigo é para nos salvar da solidão…

Meu caro amigo, como estás? Eu estou muito entristecido com essa vida monótona, cheia de lugares comuns e a solidão de meu temperamento. Apesar de minha idade, meu sonho é voltar para o Velho Chico e terminar minha vida percorrendo os mesmos caminhos, mas sem perder tempo em cidades, assentamentos e comunidades quilombolas. Como está a minha canoa? Você acha que ela aguenta outra aventura dessas? Não pretendo descer as corredeiras da Serra da Canastra, pois foram elas que me atrasaram muito e danificaram mais o casco da canoa. Pode parecer uma aventura arriscada e, por certo, é… mas o fato é que este ano termino meu trabalho profissional e terei que voltar para Ribeirão Preto para poder sobreviver. Porém, minha relação com a família vem se desgastando tanto que não sei se vale a pena ir para lá.

Aqui também acontece o mesmo: não consigo suportar as frequentes desavenças com a káthia, e até mesmo a Ellen já nos considera um estorvo. Ela e a Myrna nos ajudam a viver, mas sempre existe uma cobrança, não é mesmo? A culpa é minha, pois nunca abri mão de meus princípios e valores, e não soube encontrar um meio de sobreviver sem uma ajuda delas. De fato, não é justo que os pais dependam dos filhos. Afinal, eles (elas, no meu caso) não pediram para nascer, não é mesmo? Minha mulher alterna estados de gentileza e de fúria… ela não suporta a ideia de depender de alguém, tem um temperamento explosivo e eu estou nessa confusão que me destroi aos poucos.

Caro amigo, me desculpe esse desabafo absurdo! Você não tem nada a ver com isso, não é mesmo? Só que só tenho um amigo nessa vida, se ele existir ainda… eu errei desde o começo… não terminei uma faculdade, que me daria condições de uma vida sossegada, seja como engenheiro, seja como professor de língua e literatura oriental. Abandonei essas faculdades devido ao momento histórico que vivíamos, da ditadura militar e de minha ideologia marxista. Hoje, nada disso tem valor ou significado para mim. Estou terminando uma faculdade, aos 75 anos, mas acho que não viverei o bastante para poder usufruir desse conhecimento… os velhos não têm direito a prosseguir nesse mercado de trabalho, não é mesmo?

Estou me matando aos poucos, e só tenho um amigo… é verdade que esse amigo é meu camarada, meu confidente, meu irmão de alma… mas não tenho o direito de abusar de sua amizade… sei que você está feliz com a vida que conquistou pelo seu trabalho honesto e justo. Curiosamente, chego sempre atrasado… eu gosto muito de trabalhar na minha empresa e penso que o único indigenismo que permitirá à empresa sobreviver são os povos indígenas isolados… nem mesmo os de recente contato fazem sentido, pois foi, justamente, esse primeiro contato que os sentenciou à morte. Se eu olhar para a política, fico ainda mais deprimido, pois nem Lula, nem ninguém mudará o destino dos povos indígenas do Brasil. No Sul, no Sudeste, no Leste e no Nordeste esses povos já se perverteram e perderam sua identidade cultural e “filosófica” (mística para nós, que compreendemos a alma desse povo).

Bem, meu caro e único amigo, já abusei demais de sua generosidade em me “ouvir” (ler). Eu precisava desse desabafo, pois estou desalentado e não acredito mais na ideologia, nem no humanismo, muito menos nas religiões, que deturparam o ser humano por seus interesses pessoais e “culturais”… mas me desculpe, mais uma vez… sou um farrapo daquilo que sempre sonhei para mim…

Meu abraço, e desculpe pelo meu desencanto…