As Cavernas dos Espeleólogos


Recentemente participei de um encontro de espeleólogos na pequena cidade de Cordisburgo/MG, berço de nosso romancista maior, João Guimarães Rosa (“Grande Sertão: Veredas”), que neste ano completaria 100 anos de existência. Estipulou-se, por conveniência, que a famosa Gruta de Maquiné, também localizada em Cordisburgo, completaria seus 100 anos de exploração turística nesta mesma data. Isso porque foi o grande escritor quem a tornou célebre entre os eruditos, dedicando vários de seus textos a relatar estórias havidas naquela região. Hoje, esta caverna se encontra completamente descaracterizada devido à iluminação instalada em seu interior, os pisos de concreto, as escavações feitas no século XIX para extração de salitre e os danos causados pela intensa visitação.

Foi um encontro muito bem planejado, mesclando poesia e prosa literária com caminhadas e investigações científicas… e teria sido bem realizado, não fossem a vaidade e soberba de alguns de seus participantes mais ilustres, justamente aqueles que dedicam suas vidas a pesquisar o carste, sua formação, sua estrutura geológica, suas descobertas paleontológicas, a biologia que se manifesta em seu interior e em seu entorno, os ornamentos que enriquecem suas paredes e seu teto, o seu processo evolutivo, enfim…

Coube à população local o ponto alto desse evento, com a interpretação temática do conto “Recados da Montanha” (acho que este é o nome), um grupo de “Miguelins”, artistas, cantadores e contadores de histórias que representaram, ao longo de uma trilha, a trágica estória de Guimarães Rosa baseada em fatos reais da época. Magnífica apresentação que valeu o encontro!

Coube, porém, aos pesquisadores, biólogos, geólogos, paleontólogos ou simplesmente espeleólogos, a nota mais triste do evento. Eu me pergunto se esses mesmos seres, vaidosos de si mesmos, têm consciência de suas ações, do impacto causado pelas suas incursões por esses lugares tão frágeis, pelo impacto das suas coletas de escassas vidas que persistem em seu interior…

Seria o andar em desabalada carreira sobre pedras desmoronadas no interior de uma caverna, demonstração de competência ou superioridade? Sair correndo do seu interior, deixando os menos preparados para trás seria atitude apropriada a um pesquisador “PhD”? Tentar ridicularizar um companheiro que eles sequer conhecem, apenas por não fazer parte de seu meio, seria demonstração de que, afinal? Pois a sabedoria não se confunde com a ciência, nem mesmo com a cultura… aqueles pequenos intérpretes locais demonstraram muito mais saber e respeito à Natureza que esses doutos senhores desprovidos de sensibilidade…

E coletar espécimens em meio a essa balbúrdia, com mais de 40 pessoas no interior da caverna, como interpretar a propriedade desse ato “científico”? E essas 40 pessoas, caminhando desordenadamente por toda a caverna, compactando seu frágil solo, turvando suas águas, esmagando pequenos organismos… isso seria atitude de cientistas? Qual o impacto causado por esses atos insanos?

Provavelmente, um grupo de turistas desavisados e pouco conscientes não teria ocasionado maiores danos à bela Gruta Morena…

O Montanhista


Eu nunca me dediquei completamente a uma só atividade… a vida sempre me pareceu curta demais para tal exclusividade e extravagância! Quis experimentar muitas possibilidades; além disso, só
comecei a mergulhar aos 50 anos, entrei em uma caverna pela primeira vez aos 53 anos, e tive minhas primeiras lições de montanhismo aos 55 anos. Agora, aos 58 anos, resolvi praticar escalada em rocha com mais competência! Para isso, fui a São Bento do Sapucaí, aprender com um grande especialista: Eliseu Frechou!

Eu o conhecia apenas de nome… um dos mais renomados escaladores do Brasil!

Durante uma semana tive o privilégio de conviver com este verdadeiro Montanhista, que dedica sua vida às Montanhas, mora ao lado de monumentos naturais como a Pedra do Baú, a Ana Chata, a Pedra da Divisa… e todo o seu tempo está focado nas rochas!

Eliseu é uma daquelas figuras que imaginamos existir apenas nos livros de aventuras: um homem íntegro, coerente, impecável em seus movimentos de escalada, ético e compenetrado em produzir o melhor de si, não importa a dimensão dos atos que pratica.

Eu sou apenas um aprendiz, mas Eliseu se esforçou por me tornar não apenas um montanhista melhor, mas um ser humano mais consciente do papel reservado para mim nesta vida! E é assim que me senti ao me despedir dele ao fim dos meus treinamentos!

Eliseu não fala, como muitos, um discurso politicamente correto; ele o pratica de fato, em cada um de seus atos, em cada atividade que exerce em sua vida plena de aventuras e realizações! Ele é um dos poucos escaladores de Big Wall do Brasil, já fez muitas escaladas solo e em solitário, e atingiu o apogeu de sua forma nas diferentes modalidades que a escalada em rocha nos permite.

Quando cheguei à sua casa, minhas epectativas eram elevadas: queria desenvolver em poucos dias uma competência que não tinha. Apesar das limitações de minha idade e de minha forma física, ao terminar o treinamento constatei que havia superado em muito o que havia idealizado: os resultados, para mim, não poderiam ter sido melhores! Já posso prosseguir sozinho!

Além disso, e muito mais do que simplesmente ter melhorado meu desempenho, eu encontrei um grande amigo!
por João Carlos Figueiredo Postado em Eutanásia

O Show de (“Isabella”) Truman


Cena 1
 
Um homem atira uma criança do sexto andar de um edifício depois de estrangulá-la. A polícia é chamada e a imprensa se movimenta para informar a população a respeito do crime bárbaro. Repórteres buscam a melhor cena e o melhor ângulo para aumentar suas possibilidades de IBOPE… quem sabe até um prêmio “Pulitzer”!?Cena 2

Durante mais de 30 dias a imprensa persegue os possíveis culpados, pai e madrasta da menina, tentando mobilizar a população para um linchamento virtual. A polícia e o promotor entram em cena e alimentam a imprensa com informações de indícios e evidências do crime, quase todos verdadeiros, e análises periciais baseadas em vestígios encontrados na cena do crime. Os pais são presos sob os gritos histéricos da população, já convencida da autoria do crime, embora o indiciamento ainda nem tenha sido concluído.

Cena 3

O casal, pai e madrasta, são soltos por um habeas corpus impetrado pela defesa, perplexa diante das repercussões nacionais do caso. Todos os noticiários, dia e noite, de hora em hora, repetem à exaustão a história de Isabella, estampam em primeira “página” todos os detalhes do crime e invadem a privacidade de quem quer que esteja, direta ou indiretamente, relacionado ao assassinato do Edifício London. Em nossas mentes permanece a imagem do pai, conversando tranquilamente com um policial no jardim, explicando sua versão do fato, a poucos passos do corpo inerte de sua pequena filha morta…

Cena 4

É feita a “reprodução simulada” do crime, assistida sob os mais diversos ângulos pela maior plateia do país. Praticamente todos os lares acompanham a atrocidade, observando em detalhes o estrangulamento, a cena da menina atirada da janela, representada por uma boneca em tamanho natural, o corpo que jaz sobre o gramado do jardim do edifício, tudo acompanhado de análises de repórteres e interpretações de especialistas,  advogados e juristas.

Cena 5

A “reprodução simulada” do crime é criticada, assim como os pronunciamentos feitos pelas “autoridades competentes” nos últimos 30 dias, evidenciando a fragilidade das “provas” e alimentando a defesa com a munição dos muitos equívocos praticados pelos delegados. Os procedimentos são didáticos, e cada cena é repetida à exaustão, apesar dos erros evidentes até para um público leigo…

Cena “n + 1” e subsequentes

O casal foi indiciado por homicídio doloso triplamente qualificado. Trata-se de um crime hediondo, para o qual nosso código penal não tem uma punição adequada! No máximo, eles ficarão “hospedados” na cadeia por 10 anos; depois haverá a progressão da pena para regime semiaberto e, finalmente, para liberdade condicional. Depois, a pobre Isabella terá sido esquecida, não somente por nós, mas também por seus algozes, e entrará para a história apenas como mais um número nas estatísticas policiais…

A imprensa ainda alimentará os noticiários com a morbidez desse crime enquanto os índices de audiência justificarem os “investimentos” na manutenção de uma enorme equipe de repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, entrevistadores e entrevistados.

Enquanto isso, ninguém mais se lembrará da pequena menina, cuja vida foi interrompida pelo brutal assassinato… o que importa o destino dessa criança, se as emissoras de televisão, as rádios, os jornais, as conversas de botequim, as reuniões sociais já se alimentaram das horas, dos dias, das semanas de discussões sobre quem vencerá a demanda judicial? Promotoria, delegados, investigadores, analistas criminais de um lado, advogados de defesa, acusados e seus familiares de outro, disputando um jogo cujo objetivo maior é o entretenimento da população, a despeito do próprio crime em si mesmo, ou de sua vítima, a criança morta!

Pois é assim o nosso Big Brother, Brasil!

E para euforia dos fanáticos contendores desse “jogo da verdade”, na Áustria, um homem de 73 anos é descoberto depois de manter sua própria filha refém e escrava sexual por mais de 24 anos, dela gerando 7 filhos! É “muita sorte” da imprensa! Quanto mais maldade, quanto mais crueldade, melhor!

E uma criança se transforma no ícone social da crueldade humana, desprovida de qualquer sentimento de compaixão e solidariedade! A ela já não importa mais o tempo, pois sua vida foi ceifada na mais bela fase de sua curta existência… E, como mártir, será “vingada”, ainda que para isso se punam inocentes… não mais importa se pai e madrasta são, de fato, os culpados: eles “”precisam” ser culpados para que todo esse aparato de tecnologia da comunicação se justifique, para que todo esse ódio canalizado se justifique, para que todo investimento da imprensa para a cobertura de cada pequeno detalhe de cada cena se justifique, para que nossas consciências não se sintam envergonhadas de tamanha insensibilidade e violência, maior ainda que o próprio crime, que já se foi na memória coletiva de nossa sociedade… porém, sendo culpados, pai e madrasta já terão sido julgados e condenados pela opinião pública manipulada pela imprensa!

Viva a imprensa livre, democrática e independente!

Viva a nossa magnífica sociedade de consumo, ainda que esse consumo seja apenas da dor de uma família cujo ser mais inocente foi vítima da barbaridade, da crueldade que existe em cada um de nós!

Junho de 2008: a novela sórdida continua…

Para deleite da imprensa e de todos os que se comprazem com as mazelas humanas, mais um lamentável episódio incendeia novamente esse crime mal resolvido: agora, o policial que conversava com o pai da menina na cena do crime se matou em decorrência de denúncia de pedofilia. Novas suspeitas de outras possibilidades de desfecho desse drama fazem o assassinato voltar às páginas da imprensa… até quando??? Até que todos se saciem na fonte da maldade e da maledicência… até o momento em que um tribunal decida, sem provas cabais, se o casal matou ou não a sua filha de forma cruel e sem justificativas… até que uma novela virtual conquiste o interesse do público e traga novas revelações sobre a sordidez humana em todas as suas variações e matizes…