Esse era o seu querido pai, que herdou dos gregos o seu nome e profissão. Sócrates fora geógrafo, e ensinou ao filho os infinitos caminhos da Terra, suas belezas e seus mistérios. Amava a Natureza e esse sentimento também passou a seu filho, que aprendeu a respeitar aquilo que assegura aos homens a sobrevivência e a beleza infinita.
Com Sócrates, Rúben aprendeu a remar e explorar lugares que a maioria das pessoas não conhece. Os rios passaram a ser uma obsessão para Rúben, que mandara construir sua canoa e a mantivera sempre vinculada às mais belas experiências que tivera o privilégio de viver. Com seu pai, subiam o rio até que faltassem forças para prosseguir remando. Então, deixavam os remos de lado, e o frágil barco voltava, lentamente, ao ponto de partida, enquanto seu pai lhe dava as primeiras lições de vida, de Filosofia e de Esoterismo.
Seu pai era um sábio, um mestre que conhecia as doutrinas secretas do Oriente, e ensinava Rúben a perceber as sutilezas que se ocultam da vida dos seres comuns que cruzam nossos caminhos. Falava da Eternidade, não como a concebem os seres de pouco saber, mas como a relatividade do tempo e do espaço. Eterna é a percepção dos iluminados, algo como se a duração das horas não existisse de fato, a não ser como referência para as atividades humanas.
Falava de um lugar na consciência de cada um, para onde se pode ir quando tudo parece ruir em nossas vidas, e lá encontrar os verdadeiros mestres do ocultismo, sempre disponíveis a nos elucidar os segredos da Eternidade. Para Sócrates, as divindades eram figuras simbólicas e não uma realidade transcendente, onipresente, eterna e todo-poderosa, pronta a punir os ‘pecadores’, e premiar os ‘santos’, sempre vigilante e autoritária perante os defeitos humanos. Em seu pai encontrara as respostas que buscava em seus longos períodos de meditação e espiritualidade. Ele era seu grande Mestre Zen…
Porém, na velhice seu pai se tornara humano, sofrera a dor da degeneração física, lutara contra um câncer irreversível, perdera sua lucidez e suas memórias, e morrera precocemente, depois de uma existência exemplar e justa. Rúben sentiu a ausência do pai, e passou longos anos tentando compreender sua transição. Perguntava-se “por que um ser de luz precisa padecer as dores terrenas, se sua sabedoria está muito além da compreensão da maioria dos mortais?”.
Esse fora o mistério que Sócrates deixara para seu filho refletir. Em suas noites insones, Rúben rememorava cada momento de seu profícuo convívio com o Mestre, buscando as razões metafísicas para a dor e o sofrimento. “Por que sofremos? Se Deus existe, por que Ele haveria de querer que seus filhos sofressem? Qual o verdadeiro sentido do sofrimento dos homens em sua curta passagem pela Terra?” E lembrava-se das Quatro Nobres Verdades de Buda. Elas eram a resposta para o que sempre buscara… para os não iniciados, tais ‘verdades’ poderiam ser interpretadas como palavras inúteis, talvez incompreensíveis em seu profundo significado. Mas essa é a essência da Sabedoria mística: o significado das palavras não está nelas mesmas, mas em algo que transcende sua compreensão.
Por isso, o Caminho da Iluminação está disponível apenas para poucos, apenas para aqueles que já se tornaram merecedores, e compreendem que seu aprendizado será longo, difícil e doloroso. E, estes, mesmo assim, perseveram, pois já vislumbraram, do ocultismo das palavras, o reflexo do significado que neles se dissimula.
Muitos se perguntarão: “por que a verdadeira Sabedoria se oculta da maioria dos buscadores?”. A resposta não pode ser dada, pois ela não está nas palavras, embora nelas se oculte. A aparente contradição dessa afirmação reside no fato de que é preciso ser um discípulo, aceitar o estado de buscador, ter perseverança e humildade para que seja merecedor de seus ocultos segredos mais profundos…
Não se encontrará, em nenhum livro sagrado, a resposta para os mistérios dos Sábios. Eles não os deixariam à mercê dos homens incapazes de compreendê-los… longo é o caminho da Verdade, e pequena é a compreensão humana e a perseverança do discípulo… por isso, muitos se perdem nos caminhos, outros desistem sem encontrar sequer os traços da Sabedoria para continuar na busca…
Sócrates, pai de Rúben, deixou muitas lembranças, mas nenhum escrito que pudesse orientar seu filho. Sabia que não se pode facilitar o caminho do Conhecimento, pois nenhum Livro Sagrado foi de alguma valia para os discípulos alcançarem a Iluminação.
Com seu passamento, Rúben se afastou, por muitos anos, dos caminhos da compreensão, até que um dia se deparou com um Ser Iluminado. Era apenas um velho, sentado sob uma grande árvore, à beira de uma trilha na montanha que Rúben tentava escalar. Perdido e sem orientação, perguntou ao velho como alcançar o cume daquela montanha, ao que o homem respondeu: “volte ao pé da montanha e encontrará o seu caminho”. Rúben achou a resposta imbecil, pois já fizera aquele longo percurso e não voltaria a fazê-lo inutilmente.
Tentou seguir em frente, mas depois de muito caminhar, sempre retornava ao mesmo ponto, onde estava o velho, sereno, a observá-lo. Por fim, repetiu a pergunta, e o velho lhe disse: “já passaste tantas vezes pelo seu destino, sem perceber que o que procuras não existe. Volta à base da montanha e encontrarás o teu caminho”. Desta vez, Rúben compreendeu a mensagem do velho.
Retornou ao pé da montanha e viu, extasiado, que o caminho ao cume estava iluminado por uma luz difusa. Seguindo a luz, chegou ao cume, e lá encontrou o Mestre, que o esperava, satisfeito.
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