Falar de Ideologia em um mundo imerso em disputas mesquinhas é fingir que qualquer das partes tem razão, enquanto o “outro” é sempre o culpado de todas as mazelas humanas. Enquanto isso, o relógio biológico da Terra se aproxima do instante fatal em que a escassez de água e de alimentos nos forçará a um sacrifício que todos temem imaginar: a população da Terra precisará se reduzir aos níveis de 1900 para poder capitalizar os benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico e salvar o planeta. Haverá paz no mundo antes da hecatombe mundial? Teremos condições de ocupar novos planetas habitáveis antes que a Terra entre em colapso? Estaremos preparados para viver em paz e encontrar soluções para a superpopulação e a perda da biodiversidade de nosso mundo antes do minuto fatal? Certamente, a resposta a essa indagações é, pura e simplesmente, “Não!”. A Terra não sobreviverá a tamanhos desperdícios e devastação!…
Tomo a liberdade de revisitar certos conceitos, apenas para refletir: o que está em jogo nas eleições deste ano no Brasil? Não vou me restringir a definições acadêmicas, e nem me submeter aos crivos dos ideólogos da Política, pois o que pretendo com esse debate é, pura e simplesmente, discutir os destinos de nossa Nação depois de 2018. Vivemos tempos estranhos, na opinião de um ministro do STF, na medida em que conceitos políticos tradicionais já não cabem na situação esdrúxula em que se meteu o Brasil. Ainda assim, tentarei ser didático, embora sem me ater a definições convencionais.
Apenas para contextualizar meu pensamento, quero recordar nossa herança de exploração dos escravos, de dizimação das populações nativas, de ditaduras sanguinárias e golpes palacianos, de conchavos políticos obscuros e corrupção dos valores éticos, sempre vinculados ao processo civilizatório que nos trouxe ao século XXI. O Brasil, antes de se tornar uma nação, já contribuía, ainda que à revelia, para o enriquecimento da Europa, através de saques, tráfico de escravos, extração de madeira, cacau, ouro e pedras preciosas, e do genocídio sistemático das populações indígenas, que dizimaram mais de 90% das etnias que aqui habitavam antes da chegada da esquadra de Cabral.
Entramos no século XX (abreviando a História, pois esse não é o escopo desse artigo), com já quase 90% de nossas florestas tropicais devastadas. A Amazônia ainda se mantinha relativamente preservada graças às dificuldades de acesso e à vastidão de seu território. A escravidão havia se acabado, mas os povos negros, mestiços e índios continuavam sendo tratados como rejeitos desprezíveis dessa sociedade elitista, que comandava a política e a economia dessa nova nação brasileira. A Segunda Guerra Mundial e a Ditadura Vargas acirraram ainda mais os preconceitos étnicos, enquanto o Brasil capengava na categoria de país terceiro-mundista, expressão forjada pelos Estados Unidos da América do Norte durante a “guerra fria”, os verdadeiros vencedores dessas batalhas que envolveram toda a Europa, Ásia e parte do continente africano e península arábica.
O Capitalismo ressurgia na Europa que sobrevivera da guerra, sob o poder dessa nova potência emergente (EUA), embora seu conceito como doutrina econômica provenha da Revolução Política (Francesa) e da Revolução Industrial (Inglesa), aquela quanto aos conceitos estruturantes da sociedade em sua relação com os meandros da política interna, esta como responsável pela grande transformação provinda do processo de industrialização das atividades produtivas. Se Marx vivesse hoje, talvez não tivesse construído sua teoria econômica e política, não teria havido socialismo nem marxismo, e o mundo viveria, em sua plenitude, o sonho americano do Welfare State. Pura abstração!
É curioso observar que os rótulos forjados sobrevivem mais do que os conceitos a eles atribuídos. Não fora assim e hoje não atribuiríamos ao socialismo a denominação estranha de “Esquerda”, da mesma forma que não chamaríamos de “Direita” àqueles que defendem o Capital como valor primordial de qualquer sociedade democrata. Observando a sociedade contemporânea, pouco resta a exigir das reivindicações trabalhistas que levaram à constituição do sistema socialista dos países do Leste Europeu, da China, de Cuba e de outros países que se alinhavam, até 1988, à antiga União Soviética. Seria a Democracia condicionada apenas ao sistema de livre mercado? Onde estaria, pois, a Ideologia, se o ideal humano sempre foi a liberdade ampla e irrestrita de pensamento?
Fato é que persistem na Inglaterra contemporânea a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes, denominações estas cunhadas no início do século XVIII. De modo análogo, a “direita” simbolizava os simpatizantes de Napoleão Bonaparte (e se sentavam à sua direita), enquanto à esquerda se colocavam os simpatizantes da Revolução Francesa. É, portanto, um anacronismo atribuir as expressões esquerda-direita às correntes ideológicas marxismo-capitalismo, até por que, nos dias atuais, todos os regimes se confundem nas práticas do capitalismo global. Esquerda e direita se tornaram símbolos de oposição política na Europa monarquista e em dias atuais.
À parte esses termos obsoletos, consideremos, então, os valores atribuídos a essas duas correntes do pensamento político no século XXI. Aqueles valores pregados por Karl Marx já não se aplicam ao mundo contemporâneo. Já não existem as minas de carvão e os sistemas escravagistas de produção nos moldes dos séculos XVIII e XIX. Muitas conquistas foram feitas pelos trabalhadores, reduzindo o desequilíbrio nas relações trabalhistas entre patrões (cada vez um conceito mais difuso e superado) e empregados (agora empoderados por complexas legislações que regulam essas relações).

Países tradicionalmente socialistas, como a Rússia, a China, os países da “Cortina de Ferro” na antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) extinta em 1988, o Vietnam, a Coreia do Norte e Cuba se adaptaram à economia de mercado para sobreviverem. A estatização da Economia mostrou-se um equívoco insustentável, assim como a estrutura burocratizante dos países socialistas soviéticos. Hoje, na China, existem filiais de símbolos do Capitalismo, como a rede de lanchonetes Mac Donalds, bem como diversas fábricas de procedência americana, japonesa e europeia, que se aproveitam dos baixos custos de mão-de-obra dos países socialistas, onde existes fortes subsídios para os trabalhadores, talvez a última herança dos regimes fechados do comunismo internacional, para reduzirem seus custos e aumentarem sua participação no mercado internacional.
No entanto, apesar dessa “customização” dos regimes socialistas, restam sobreviventes desse “ancient règime”: as nações contemporâneas que insistem em afirmar sua divergência ideológica com as nações do ocidente, mais bem-sucedidas que aquelas cuja herança socialista se preservou no mundo oriental, como a Rússia (em permanente crise econômica), China (que, embora tenha se capitalizado, ainda preserva seu sistema de governo centralizador totalitário) e Coreia do Norte (igualmente uma tirania), que sobrevive de subsídios da China e da Rússia, e que ainda teimam em afirmar seu regime herdado da Teoria Marxista-leninista. Lamentavelmente, as experiências socialistas dos últimos dois séculos se tornaram ditaduras violentas, conforme o conceito de “ditadura do proletariado”, termo cunhado por Joseph Weydemeyer, e adotado por Marx e Engels. No entanto, essa ditadura nunca foi conduzida pelo proletariado, mas pela nova aristocracia dominante.
E como caracterizar diferentes correntes ideológicas do mundo contemporâneo, se a dicotomia esquerda-direita, socialismo-capitalismo, ou estado revolucionário versus democracia social fracassou? É preciso refletir sobre o tema sem paixão e sem radicalismos. A atitude revolucionária de transformar a sociedade em busca de sistemas igualitários permanece válida e atual. No entanto, é difícil dissociá-la das ideologias antigas, uma vez que os partidos de esquerda sempre reivindicam a pluralidade ideológica enquanto lutam pelo poder, mas imediatamente a rejeitam, ao assumi-lo.
O Socialismo Soviético apoia governos totalitários como o da Síria, fomentando a guerra fratricida, conforme sua práxis totalitária. Da mesma forma, a propalada “Democracia Americana” serve de cortina de fumaça para ocultar interesses escusos, negociações inconfessáveis e venda de armas e munições a países em conflito nas inúmeras guerras regionais que persistem no mundo atual, principalmente no Oriente Médio. Nessas relações contraditórias, prevalecem os interesses econômicos às razões humanitárias. Não existe solidariedade nem ideologia quando se trata de exercer o poder para se obter vantagens econômicas e militares neste xadrez político das nações.

As grandes potências mundiais, capitaneadas pelas coalizões Rússia-China (e seus “satélites” do Sudeste Asiático) versus Estados Unidos – Europa (principalmente França, Inglaterra e Alemanha), têm como força motriz de sua hegemonia hemisférica os interesses meramente econômicos e militares, esquecendo-se que o mundo carece de paz para sobreviver às grandes transformações climáticas e de escassez crescente de recursos naturais, agravada pelo crescimento populacional. Nessa guerra não declarada, os argumentos ideológicos deixam de ter significado, prevalecendo o poder econômico e militar sobre as questões humanitárias e de sobrevivência do ser humano na Terra. Nesse contexto de conflitos generalizados e não ideológicos, quem perde é apenas a humanidade.
Diante do exposto, falar de Ideologia em um mundo imerso em disputas mesquinhas é fingir que qualquer das partes tem razão, enquanto o “outro” é sempre o culpado de todas as mazelas humanas. Enquanto isso, o relógio biológico da Terra se aproxima do instante fatal em que a escassez de água e de alimentos nos forçará a um sacrifício que todos temem imaginar: a população da Terra precisará se reduzir aos níveis de 1900 para poder capitalizar os benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico e salvar o planeta. Haverá paz no mundo antes da hecatombe mundial? Teremos condições de ocupar novos planetas habitáveis antes que a Terra entre em colapso? Estaremos preparados para viver em paz e encontrar soluções para a superpopulação e a perda da biodiversidade de nosso mundo antes do minuto fatal? Certamente, a resposta a essa indagações é, pura e simplesmente, “Não!”. A Terra não sobreviverá a tamanhos desperdícios e devastação!…
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