Em tempos de trevas, os maus espíritos se destacam na mediocridade dominante. A desconstrução do Universo e sua impermanência, contudo, evocam a insignificância das civilizações no contexto divino, e nos remete à relatividade dos conceitos humanos e da própria vida na Terra.
Revisitando “Avatar” (o filme) tive a sensação inevitável do dèja vu na construção do Conhecimento Humano. Afinal, onde se situam o Tempo e o Espaço na infinitude desse vazio que nos cerca desde os tempos imemoriais do nosso pequeno planeta? Basta refletir sobre o Tempo, medida relativa às rotações da Terra em torno do Sol, nossa pequenina e insignificante estrela, que poderia ser destruída pelo simples fato de que a duração, ainda que relativa, do ano terrestre nunca foi a mesma desde que as partículas e fragmentos do Universo se solidificaram nas formas que hoje reconhecemos, dezenas de bilhões de anos depois que o suposto e improvável evento do Big Bang teria ocorrido… sempre nos perguntaremos: o que havia antes do Universo se formar? O que existirá depois que o Universo se extinguir?
“Pandora” seria o mundo perfeito, não fosse a ambição de outros povos, os humanos terrestres, que, tendo destruído seu próprio mundo pela exploração devastadora dos recursos naturais, foram em busca de outro Paraíso para, da mesma forma, explorar e devastar. Em “Pandora”, onde habitavam os Na’Vi, que adoravam a Deusa da Vida, Eywa, a Natureza quase intocada se relacionava através da conexão vital entre todos os seres vivos. As trocas de energia entre os seres vivos eram a ligação primordial que assegurava o equilíbrio desse mundo quase perfeito. Qualquer alteração nesse equilíbrio poderia acabar com os Na’Vi.
Há muito tempo, nós, humanos terrenos, quebramos esse vínculo perfeito entre os componentes da Natureza exuberante que herdamos, expondo as entranhas da Terra à exploração predatória causada pela ambição. A cada dia, mais nos aproximamos do ponto sem retorno, do desequilíbrio entre os componentes vitais e a civilização a que demos origem há menos de um milhão de anos. Enquanto os efeitos desse momento fatal se manifestam na perda irrecuperável das condições de vida na Terra, a concentração de riqueza e poder nos leva a outro ponto perigoso, onde as hordas de miseráveis irão se rebelar contra os poderosos.
A dúvida que resta é se esses dois polos da mesma disputa se encontrarão a tempo de salvar o planeta, ou se a vida na Terra se extinguirá, dando início a um novo ciclo de criação, talvez dando origem a novos seres menos ambiciosos e mais próximos do conceito dos Na’Vi. Seria essa a salvação do planeta? Ainda que sim, não seremos nós, ou melhor, nossos descendentes que herdarão a nova Terra, mais próxima de Gaia e de “Pandora”. Na primeira hipótese, como se comportarão os vencedores, aqueles miseráveis que hoje se avolumam na população desse pequeno globo terrestre fadado ao desaparecimento, seja qual for o prato da balança que penderá em favor da humanidade? Poderiam se redimir dos erros do passado, ou estariam contaminados demais pela ambição de seus algozes? Seria uma nova humanidade, ou apenas a repetição de nosso passado terreno?
Fato é que, justamente nesses miseráveis oprimidos se sustentam as teses reducionistas de religiões retrógradas e incapazes de buscar a solução de Pandora (a Deusa), “a que possui tudo, a que tudo dá, a que tudo tira”. Os gregos criaram deuses para todas as situações, qualidades e defeitos dos seres humanos. Talvez por isso sua civilização tenha se tornado a mais venerada, a raiz da Filosofia, a fonte de todo saber humano contemporâneo. As outras civilizações se auto-destruíram, sempre pela ambição incontrolada, vítimas de suas próprias fraquezas.
Resta-nos constatar que nosso mundo caminha, inexoravelmente, para a extinção, não importa qual caminho seja o escolhido. Antes, porém, cada ser humano se extinguirá a si mesmo, e também não importa qual a sua contribuição para o destino da humanidade, quais as suas crenças, quais os seus deuses e seus livros sagrados. Se hoje vivemos tempos de trevas, nossas escolhas assim o determinaram. Algumas terão consequências imediatas, e nós pagaremos por elas em vida, enquanto outras se abaterão sobre nossos filhos e netos, os herdeiros de todo mal praticado por nós, não importam, mais uma vez, nossas crenças e religiões.
Jamais a Ciência Humana atingirá a maturidade suficiente para esclarecer os segredos do Universo, nem mitigará os males causados pela devastação que causamos a nossos semelhantes. Seremos sempre vítimas e algozes de nossas escolhas, e a felicidade terá sido tão efêmera que não suportará a duração de uma simples vida. Todos nascemos, crescemos, sofremos e fazemos sofrer… e, simplesmente, morremos