Perdi minha vida no cotidiano: nele deixei de viver e assumi o papel mais medíocre de qualquer ser humano: o de interpretar-se a si mesmo! Olho meu passado e vejo quantas encruzilhadas me cercaram, afirmando: fuja! Corra! Afunde-se na ilusão!… pois então eu me acovardei e segui em frente… teria sido diferente se eu tivesse escutado a voz de minha inconsciência? Inúmeras são as possibilidades quando despertamos para a consciência… morrer é apenas uma delas. Mas podemos ser atores de nosso próprio papel nesse teatro da vida. Podemos ser a musa da inspiração, desprovida de um corpo… podemos apenas nos entregar à luxúria dos desejos insaciáveis até morrer de sífilis… podemos, porém, nos entregar à vida… e viver da mediocridade que mantém a humanidade, que preserva as sociedades, falsas, dementes, absurdamente inúteis!
Passei meus quase setenta anos acreditando que haveria um mundo melhor, seja na ideologia da juventude, seja na imaginação do artista, ou apenas no deixar que a vida cumpra seu papel de tornar todos os seres humanos iguais em mediocridade… hoje, quase decrépito, quase inútil, vivendo de sonhos e ilusões perdidas, só percebo que vivi inutilmente, que tudo poderia ter sido feito apenas por deixar de me ocupar com o vir-a-ser… aqui estou, consciente de que trilhei meus caminhos, mas nada deixei para aqueles que me sucederão nessa imensa roda da vida que nos une e separa…
O que virá depois de mim? o que haverá de subsistir desse mundo medíocre e enfadonho, senão a frustração de não ter sido nada além de um ser-vivente, um ser-ciente, um ser-demente? Sim, sou enquanto estou vivo, mas nada serei quando meu corpo tiver se transformado em cinzas, não importa onde sejam elas depositadas depois de minha transição… na verdade, tanto faz viver ou morrer, lutar ou entregar-se, combater as chagas do mundo ou fazer parte delas… tanto faz Ser ou não Ser!