Síndrome da “Terezinha”

Quem, como eu, teve o privilégio de viver os anos 70, não pode se conformar com a degradação moral e intelectual de nossos dias. Digo isso com pesar e constrangimento, pois essa é a nossa herança para a geração de nossos descendentes, nossos filhos, nossos netos…

Quando a televisão brasileira se estruturou, no Brasil, nos anos 50 e 60, foram criados programas importantes como a “TV de Vanguarda” e a “TV de Comédia“, da TV Tupi, verdadeiros palcos teatrais pelos quais passaram dramaturgos e atores da mais elevada expressão artística nacional, proporcionando Cultura ao nosso povo e estabelecendo padrões de qualidade que, infelizmente, não prosperaram.

Sim, pois aquele que hoje é tido como o maior fenômeno de comunicação da mídia televisiva brasileira, o Chacrinha, foi quem estabeleceu, também, suas regras de marketing, adaptadas da máxima falaciosa de “dar ao público o que ele quer”, ou seja, “vocês querem bacalhau?“…

Talvez a expressão merda, manifestada aos artistas antes do início do seu primeiro espetáculo, seja decorrência desse desejo ancestral de superar a fase anal da criança que permanece em todo o ser humano, a despeito de sua cultura, inteligência e originalidade.

Quem assistiu aos “Concertos para a Juventude” ou até mesmo às primeiras exibições que fizeram a fama do mais antigo programa da televisão brasileira, o “Fantástico“, nunca imaginaria que se chegasse tão fundo na oferta “cultural” de nosso meio de comunicação mais abrangente! O que sobrou hoje? Talvez apenas uns poucos documentários reprisados à exaustão pelas emissoras de TV a cabo…

Duas gerações se passaram desde então, e nossos valores éticos e morais se esvaneceram, definharam, sucumbiram pela ação nociva e persistente das novelas globais, desagregando a família e corroborando uma crise intelectual sem precedentes na história da humanidade.

Hoje, paradoxalmente, todo mundo “sabe” de tudo o que se passa ao seu redor, consegue “dar palpites” sobre qualquer assunto, sem, contudo, demonstrar a originalidade e a reflexão características de uma inteligência perspicaz, evidenciando a homogeneidade e a ingenuidade simplória do pensamento que caracteriza o universo contemporâneo…

A maior crítica que se fez sempre aos regimes socialistas foi a falta de liberdade de expressão, imposta ao povo pelos governos totalitários, para os quais o interesse coletivo se sobrepunha aos interesses individuais e a ideologia do partido se impunha às ideologias dos pensadores. Críticas verdadeiras. Paradoxalmente, porém, a existência dessa dualidade de pensamentos, essa dicotomia profunda entre as liberdades individuais e os interesses coletivos, alimentava o pensamento intelectual e enriquecia o conhecimento filosófico, a despeito das suas graves conseqüências.

Se o mundo viveu anos de terror causados pela guerra fria e pela intolerância dos regimes políticos, a humanidade ganhou em sabedoria e em obras de inestimável valor cultural. Reflexo disso é o “Cinema de Arte” que prevaleceu durante mais de uma década, produzindo as mais belas expressões culturais do século XX. O mesmo se deu com a música, a literatura e o teatro hispano-americanos nesse mesmo período.

Hoje, no entanto, a música, a literatura, o teatro, as artes plásticas, o jornalismo e, principalmente, a televisão, vivem o mais tenebroso obscurantismo intelectual de nossa história, alimentado pelo imediatismo da notícia “em primeira mão”, pela ansiedade do mundo eletrônico “sem fronteiras” e sem privacidade, pela ganância insaciável de uma civilização que não tem limites para o ganho desmesurado, para o consumo supérfluo e para a projeção social, a ambição e a vaidade de cada indivíduo, em detrimento dos valores coletivos e do sentimento humano.

Daí, a Síndrome da “Terezinha”, uma compulsão irrefreada por entregar ao público aquilo que choca mas não enriquece, excita mas não enobrece, dá ibope mas não tem valor. Por isso, as empresas investem cada vez mais na propaganda barata, vagabunda e estúpida da guerra de preços e de ofertas fantasiosas e mentirosas, da venda de qualquer coisa, a qualquer custo, para qualquer um.

É deplorável que assim seja, mas a cada dia existem menos seres pensantes na face da terra, menos pessoas capazes de conduzir seu próprio raciocínio e chegar a uma conclusão coerente, a ter suas próprias idéias, a ser original, a ter domínio sobre seu próprio destino, enfim… por isso, é difícil continuar seguindo a jornada, pois isso também acaba por se revelar, apenas, mais um desprezível slogan:

Keep walking, Johhny Walker“!