Sedução mórbida

Não era a primeira vez que ele se expunha publicamente, em busca de uma aventura amorosa. Já não se entusiasmava mais com as relações convencionais: queria sentir prazer no risco de ser descoberto, flagrado em uma situação qualquer, constrangedora para a maioria dos comuns. “Por que?”, perguntava-se incrédulo após perpetrar o ato impensado e tresloucado, que o consumia em desejos. Não saberia se explicar, nem a si mesmo. Mas o fazia, e repetia sempre, cada vez com mais ousadia e despudor.

Naquele dia, porém, sua loucura superou os limites mais tênues da razão que ainda lhe restava. Saíra de casa cedo, caminhando meio sem rumo (nunca planejava suas ações, deixava-as apenas acontecer ao acaso), meio sem vontade. Era sempre assim que tudo começava. Esgueirou-se pelos becos mais sujos e abandonados.

Mendigos, bêbados, crianças cheirando cola ou queimando umas pedras, perdidas na vida que lhes fora reservada pela Sociedade, vadios, putas e travestis decadentes… Aquilo era pura inspiração!

Primeiro, despiu-se completamente e caminhou entre seus semelhantes, procurando perceber alguma reação. Nada! Pouco se importavam com aquele traste nojento, exibindo seus desejos e despudores na sarjeta dos esquecidos. Afinal, que mais poderia acontecer ali? Seguiu, por algum tempo, num misto de excitação e de vergonha. Era como se fosse invisível! Passava incólume pelos caminhos dos sem-destino. Cansado de se mostrar, vestiu-se novamente e saiu depressa daquele lugar horroroso.

Começou, então, a lhe nascer ali aquela idéia sórdida e macabra. Foi para uma estação do metrô, comprou seu ingresso e partiu no primeiro trem que passava. Sentou-se discretamente ao fundo do vagão e começou a observar os transeuntes, imóveis em sua própria solidão. Parecia-lhe sempre a cena de um filme antigo, as pessoas sem identidade, taciturnas diante do tempo perdido naquele vagão frio. Já passava do meio-dia.

Não se sabe por quanto tempo seguiu viagem, ora para um lado, ora para o oposto, pouco se lhe importando o destino. Às vezes saía e mudava de trem, para não despertar suspeitas da Segurança. Na verdade, ele já se tornara uma figura conhecida dos funcionários do metrô, pois costumava gastar horas de seus dias inúteis naqueles passeios sem destino. Mas, como não incomodava nem molestava ninguém, não lhe davam maior atenção; apenas alguns comentários acerca daqueles seus passeios inúteis e esquisitos.

Porém, naquele dia, sua mente pervertida reservara uma aventura que não seria esquecida por muito tempo. A noite se aproximava. Para ele, pouco importava quem seria sua vítima; queria apenas que fosse alguém que pudesse dominar com certa facilidade. O acaso lhe deu de presente esse pobre coitado: um garoto entrou no vagão, justamente quando o movimento rareava, e sentou-se defronte àquele que seria seu mais cruel algoz. Distraído, olhou para ele com indiferença. Mas surpreendeu-se com um sorriso amável e caridoso. O garoto logo simpatizou-se com aquele estranho que o encarava.

Parecia que ele compreendera, de um só olhar, todo o seu drama de criança abandonada pelos pais, pela vida, pela sociedade. No fundo, ansiava pela mão amiga que lhe trouxesse de volta a esperança, que o levasse daquela solidão precoce e sem jeito que o consumia.

Na troca de olhares que se seguiu, entabularam uma conversação que somente os mais solitários poderiam compreender. Daí ao que se processou depois foi apenas uma conseqüência natural: já saíram do trem como velhos amigos que se reencontram, conversando animadamente, ele se insinuando discretamente à sua presa indefesa. Pagou um farto lanche ao menino, e isto foi o sinal definitivo a selar sua “amizade”. Seguiram para um parque, por sugestão do maníaco, “para se conhecerem melhor”. Tinha uma casa grande, dizia ele, onde poderiam morar juntos por algum tempo, até que arranjasse um lugar definitivo para o garoto. Em sua ingenuidade de criança, qualquer manifestação solidária seria benvinda, como de fato foi.

Tomou o menino em seu colo, a pretexto de consolá-lo pela emoção do padrinho caridoso que acabara de arranjar. Aproveitando-se do enlevo do momento, primeiro beijou ternamente a face ingênua que se recostava em seu peito. Depois, arriscou-se mais e acariciou o menino em suas partes íntimas, delicadamente, carinhosamente.

Fragilizado, entregou-se à agradável sensação de ser bolinado pelo novo amigo. Em seguida, ousou beijar-lhe a boca. Assustado, o menino tentou se afastar, mas já não tinha forças, dominado que estava por aquele corpo imenso sobre o seu. Fez menção de gritar, mas a dor de uma repentina penetração do dedo em seu ânus, esmoreceu-lhe a vontade. Estava sendo brutalmente despido, sem que pudesse esboçar qualquer reação. Depois, foi a vez do marmanjo. E lá estavam eles, nus, isolados pela escuridão da noite e pela solidão do parque ermo e distante.

Sentia-se como um boneco, sendo manejado sem qualquer gentileza por aquele homem rude e frio. Atordoado, chegou a sentir até um certo prazer enquanto era estuprado. Depois, ficou envergonhado quando o grandalhão lhe chupava o pequeno pênis ainda não completamente desenvolvido. Mas, com aquele movimento contínuo dos lábios do monstro, voltou a sentir um prazer que ainda não conhecera. O que era aquele líquido que saía aos jatos de seu pintinho duro?

Em seguida, foi a sua vez. Teve medo, teve vontade de morder aquela carne enrijecida que era obrigado a chupar. Mas estava por demais excitado e apavorado para reagir ao grandalhão. Obedeceu. Chupava freneticamente o membro duro até que saiu aquele líquido quente e gosmento, que foi obrigado a engolir. Teve náuseas, vomitou sobre a pele suada de seu dominador, sentiu o forte impacto do soco recebido, assustou-se com o berro violento, caiu meio desfalecido sobre o chão frio e cimentado do parque.

Não teve tempo de despertar completamente: logo, um pontapé foi desferido em sua barriga, depois diretamente em sua cabeça.Ainda consciente, viu o homem se aproximar e, em um golpe fatal,  percebeu-o esmagar-lhe o crânio com uma pedra grande e pontiaguda. Ficou estendido ali, sem vida, no parque deserto e silencioso… para sempre. Como de outras vezes, após sua insânia, despertou assustado com o que acabara de fazer, mas já era tarde.

Desta vez, fora longe demais. Sentiu medo, vergonha, remorso, mas sabia que aquilo fora apenas mais um passo rumo ao destino que delineara para si. Retomou a consciência do ato que praticara. Arrastou o corpo inerte até o matagal, no fim do parque. Suas ações eram acobertadas pela noite negra e sem lua. Jogou-o sobre os entulhos acumulados pelo mato adentro. Não satisfeito, cobriu-o de galhos arrancados das árvores mais baixas e próximas. Ao não ver mais aquele pequeno corpo desfigurado, sossegou suas ansiedades e retornou para casa. Não tinha mais por que se preocupar. De qualquer modo, amanhã seria um novo dia!

por João Carlos Figueiredo Postado em Contos

Cidadania, Política e Ideologia


Chegam os dias de muito debate político e, infelizmente, de mentiras, agressões, ofensas, falsidades.
Pois é assim o “nosso” modo de convencer o eleitorado. Tudo é válido, tudo é permitido, pois o que interessa é que o “nosso” candidato chegue ao poder. Nem importa se somos seres do anonimato para aqueles que lá chegarem, e que irão nos “subtrair” dos ganhos conquistados com muito trabalho e esforço. Então, por que nos comprometemos e nos expomos tanto por aqueles que nos trairão?
 
O homem é um ser político, e a discussão das idéias nos empolga e absorve nossa razão e bom-senso.
 
Nós elegemos nossos políticos. Por isso, já se disse à exaustão que merecemos aqueles que nos governam. Mas não posso concordar com isso: seria muito confortável assumir a culpa coletiva e “deixar rolar” a corrupção descarada que nos destrói o sentido da Cidadania. Pois é, às escolas cabe essa culpa, e aos educadores, aos nossos pais, aos nossos líderes (aqueles bons), porque não nos ensinaram o que significa essa palavra tão expressiva de nossos direitos e deveres, mas já completamente desgastada e esvaziada em expressão pelo (ab)uso ou (des)uso.
 
Nas doutrinas socialistas, a Dialética assumia um papel determinante na formação política dos indivíduos. De modo simplista, diríamos que dialética é a “arte da discussão das idéias“. É o que nos falta hoje, pois os meios de comunicação “digerem” as notícias para nós, “poupando-nos” o trabalho de análise e discussão de seus complexos significados.
 
É assim que vemos pessoas de todas as camadas sociais e culturais (o que é bom) “discutindo” temas como educação, saúde, política nacional e internacional, economia, … mas as suas opiniões se restringem a repassar as matérias veiculadas nas manchetes dos jornais das redes de televisão (o que é mau). Ou seja, é um SPAM coloquial de idéias anônimas!
 
No passado, alguns partidos políticos manifestavam Ideologias programáticas, o que assegurava àquele que se afiliasse a eles a certeza de que suas diretrizes seriam respeitadas nas ações, seja em campanha, seja nos cargos públicos a que fossem investidos. Isso, infelizmente, não acontece mais. Após a revisão da geopolítica dos anos 80 e 90, não há lugar para ideologias.
 
Como poderemos, então, cobrar coerência de nossos governantes, se eles nos mandam “esquecer tudo o que disseram” ou defenderam como acadêmicos e intelectuais, se alianças espúrias descaracterizam governos de esquerda ideológica, se os partidos oportunistas permanecem sempre como “reserva de voto” e de aprovação de leis em troca de cargos fisiológicos?
 
Seria muito importante que, mesmo em minoria, nossa consciência política e ideológica prevalecesse nas próximas eleições, e que os nosso candidatos tivessem, ao menos, a decência de se manter coerentes com tudo o que disserem diante das câmeras.
 
Esperar mais dessa classe política, com esses partidos e com essa realidade nacional, talvez seja apenas ilusão, quimera…
por João Carlos Figueiredo Postado em Crônicas

Analfabetismo Cultural

Somente a Cultura poderá nos redimir, um dia, do subdesenvolvimento, da ignorância e do obscurantismo intelectual. A mais grave situação do ser humano é sua incapacidade de compreender o mundo em sua diversidade e em seus inter-relacionamentos.Quando um fato ou situação se apresenta ao indivíduo, e seu limitado entendimento não reflete a sua verdadeira dimensão, distorcendo seu contexto, suas causas e conseqüências, isto é preocupante; estaremos diante do analfabetismo cultural.

É isso que se destaca às vésperas das eleições: pessoas despreparadas até mesmo para identificar a grande farsa dos candidatos, separando aqueles que poderiam, eventualmente, agregar algum valor às nossas vidas e à comunidade a que pertencemos.

Eles caminham entre nós com desenvoltura, destacando a miséria, como se dela não fizessem parte, ou como se nunca houvera a oportunidade de resolvê-la em suas atuações atuais ou passadas. Vestem a máscara da pureza e da idiotice (triste paradoxo!), fingindo não fazer parte desse mundo de tragédias, de fome, de miséria, de exploração humana, de corrupção que nos rodeia e oprime.

Olham-se uns aos outros como seres de outro mundo, segurando crianças, beijando mulheres, abraçando operários, comendo o prato feito da periferia, caminhando na lama que invade as casas, não hoje, mas todos os dias do resto das vidas desse povo enganado.

Fazem promessas absurdas e impossíveis, fazendo crer que depois do pleito tudo será diferente…

E mais uma vez entramos naquela sala de mentiras e colocamos nosso voto nessas pessoas, tornando-nos cúmplices da sua mentira e desfaçatez, fazendo-nos culpados de seus futuros atos imorais e impunes, tornando-os mais ricos pela fuzarca dos contratos e das propinas, das medições falsas das obras que nunca terminam, e que não refletem as verdadeiras necessidades desse nosso povo.

Desta vez não será diferente, pois são eles, os mesmos candidatos, com as mesmas posturas e a mesma hipocrisia.

Vamos, pois, votar na esfinge que nos devorará, pois nunca a decifraremos…

por João Carlos Figueiredo Postado em Crônicas